Onze teses do Grupo Crítica Social

CRÍTICA SOCIAL

Onze Teses do Grupo Crítica Social para compreender a Crítica do Valor,
a Luta de Classes e a Emancipação social.

1
O capitalismo é o sistema produtor de mercadorias, onde tudo é produzido como mercadoria e nisso se distingue dos sistemas anteriores. Terra, meios de produção, força de trabalho e dinheiro foram acoplados à lógica da produção de mercadorias, em um processo de mercantilização social. O tempo de trabalho médio se tornou a substância do valor das mercadorias, configurando uma Lei do Valor como base do modo de produção capitalista. Assim, o tempo de trabalho excedente ou sobretrabalho, em termos de valor, se torna a origem do Mais-Valor (a conhecida “mais-valia”), origem dos lucros, juros e renda, estabelecendo uma economia da exploração da força de trabalho. A sociedade das mercadorias é a forma de relação entre pessoas intermediada por coisas. A imposição de trabalho é encoberta pela sociabilidade das trocas de mercadorias, de aparente liberdade e igualdade.

2
A crise do capitalismo se baseia na contradição interna ao seu próprio sistema. Trata-se da substituição histórica do trabalho vivo (capital variável) pelo trabalho morto (capital constante), que cegamente mina e estreita a base de valorização do capital. O capital tenta assim se desprender de sua base material, criando a sua própria ficção. Porém, a substância deste continua sendo o trabalho, de forma que a realidade cobra como uma lei da gravidade este afastamento. As crises cíclicas do capital cumulam para uma crise estrutural de longo prazo, que não significa uma passagem automática para uma sociedade melhor ou uma revolução social, mas a muito provável barbárie.

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O Estado-nacional não é um aparelho externo ao capital, mas um aparelho de gestão da produção de mercadorias e da lei do valor, não servindo à emancipação – é um momento do próprio capital, engendrador de condições gerais de produção capitalistas. A dinâmica e o movimento de acumulação e centralização do capital exigiram historicamente a instituição de um Estado Amplo – a malha transnacional de soberania das empresas, novo centro de poder político que passou a suplantar e se sobrepor ao Estado-Nacional restrito; a mundialização e a globalização assim o exigiram.

4
A história das revoluções que se pretenderam anticapitalistas nos mostrou que nos países ditos socialistas o que se praticou foi um Capitalismo de Estado ou um capitalismo burocrático monopolista, sem a perspectiva da emancipação em relação à produção de mercadorias, à exploração da força de trabalho e a lei do valor. Se no princípio destas revoluções os trabalhadores de fato constituíram conselhos e relações sociais potencialmente novas, as tecnocracias alçadas ao poder rapidamente reprimiram e destruíram tais experiências autônomas, recriando as formas capitalistas, sob comando estatal.

5
Partidos políticos eleitorais e institucionalizados, sindicatos oficiais e instituições como ONGs, movimentos burocratizados, igrejas e religiões organizadas atuam e trabalham dentro dessa lógica do capital – trabalho abstrato, valor, mercadoria, e dinheiro, constituindo elemento de reprodução desta lógica e campo de formação de gestores da força de trabalho.

6
Há uma dupla natureza na luta de classes – a força de trabalho versus a autonomia (o proletariado). A luta de classe é um componente estrutural do capital, porque a força de trabalho vendida é uma imposição do capital aos trabalhadores, daí a necessidade de reconhecer a luta de classes como um elemento da composição da mercadoria. Ao mesmo tempo, esta luta cria momentos de autonomia em que extravasa o controle burocrático, a lei do valor e a forma-mercadoria, configurando um proletariado político como negação de sua própria condição e potencialidade emancipatória. O capital e as tecnocracias a todo instante reprimem e recuperam em seu favor estas novas formas. O proletariado atual teve sua composição modificada e expandida em relação ao velho operariado manual de fábrica, englobando atualmente estudantes, desempregados, donas de casa, gays, índios, camponeses, comunidades de favela, trabalhadores terceirizados, trabalhadores intelectuais e educacionais, formando um novo proletariado heterogêneo e expandido, à medida em que o capitalismo engloba todos os momentos da reprodução social como uma imensa Fábrica Social. Essa fragmentação e mudança de composição permitiu a ilusão da inexistência das classes e de suas lutas, especialmente à medida em que a velha burguesia perdeu sua primazia para uma classe informal de gestores. Porém, a luta de classes, em novas formas e composição, continua sendo o substrato reprimido deste processo.

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Por mais que determinadas esferas sociais tenham a aparência de serem autônomas, como as de gênero, da religião, de momentos de lazer, culturais, educacionais, etc., tais são efetivamente determinadas pela forma-mercadoria e pela lei do valor, dentro da Fábrica Social.

8
A incompreensão da forma social da mercadoria, que é instituída em todas as instâncias da sociedade em suas relações e a ignorância quanto à sua crise estrutural e, por conseguinte, a transformação da objetividade social, geral, desencadeiam o subjetivismo, o moralismo regressivo, o relativismo pós-moderno, e por fim o fascismo. Com a crise estrutural, recrudescem-se os nacionalismos, os identitarismos, os sectarismos étnicos, religiosos e sexuais, e o fascismo surge também desses confrontos históricos e dentro de guetos que se restrinjam a políticas identitárias. O “politicamente correto” surge como repressão e recalque das contradições reais, e como policiamento totalitário e moralista da linguagem, gestos, comportamento, do desejo e da sexualidade dos indivíduos, sem que, no entanto, se faça nada concreto para mudar as reais relações sociais de opressão e exploração. Ironicamente, quem se apropriou da crítica ao politicamente correto – que deveria ser tarefa das esquerdas – foram setores da extrema-direita. Ainda, o discurso contra a corrupção se tornou um mote proto-fascista e moralista das novas direitas, que a associam ao Estado social e a um suposto perigo “comunista” que não existe em lugar algum, detonando uma imensa ficção paranóica comprada por uma sociedade semi-formada. O fundamentalismo religioso, por sua vez, nada tem que ver com uma busca espiritual interior ao homem ou algo do gênero; é desencadeado pela desilusão com políticas desenvolvimentistas e com o projeto de modernização, constituindo o retorno ao irracionalismo e uma nova forma de fascismo, que entretanto é permeado pela lógica mercantil – uma vez que lideranças religiosas, templos e correntes se tornam poderosas empresas de negócios e motores de lobbys políticos fascistas. Assim, a nova direita religiosa é portadora prática da metafísica materialista mais vulgar e mercantil.

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As esquerdas que chegam ao poder, tanto no Brasil, quanto em outras partes do mundo, fracassam em seus objetivos, passando a gerenciar as crises cíclicas, até o ponto que em a crise estrutural atinge os Estados-nacionais e colapsam as políticas desenvolvimentistas e sociais dependentes da produção de mercadorias, da valorização do capital e do endividamento estatal. As extremas-direitas enfurecidas se voltam contra os Estados-nacionais. Muitos destes, por sua vez, experimentam o desmonte gradativo de seu território (ou a fragmentação de barbárie pós-política deste) e de sua força de controle sobre os recursos e sobre a produção – ao passo que o Estado Amplo transnacional assume a primazia política. Assim, colapsou o nacional-desenvolvimentismo e os motes tradicionais das lutas de libertação nacional das esquerdas tradicionais. Urge um novo projeto de internacionalização das lutas e de desmercantilização que constitua uma nova e real alternativa viável.

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Um novo projeto socialista é imprescindível, sem o qual as esquerdas e mesmo a humanidade poderá sucumbir à barbárie. Tal socialismo implicará a mobilização de forças sociais e políticas para a desmercantilização das relações sociais e da produção em geral, a partir de um contexto da abundância, em que será necessária uma ação libertária. A economia da dádiva será um elemento a conduzir as ações daqueles que desejam uma nova forma social – a Forma-dádiva,o gratuito e social em oposição à forma-mercadoria. Já não cabe um projeto estreito de socialismo da miséria. Cabe a autogestão dos meios de produção e das condições gerais de produção; sua interligação federativa e com uso das tecnologias novas de produção e de rede informática; a desmercantilização da terra e da força de trabalho; dos meios de produção e das condições gerais de produção, como base para a transição a uma sociedade da abundância e desmercantilizada, na qual o tempo livre ampliado seja motor e condição para a reabsorção do poder pela sociedade e a desprofissionalização da decisão. Cabe com urgência procurar novas formas de produção e consumo, e de decisão horizontalizada.

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Por mais que não se queria reconhecer, o fato inconteste é que o capitalismo não pode prescindir da exploração da força de trabalho, mesmo que haja uma inviabilidade de sua condição. A engenharia social fragmentou os trabalhadores, dificultando sobremaneira suas lutas e sua identidade de classe. É preciso e urgente desfragmentar as lutas sociais e especialmente criar condições de uma solidariedade entre as diversas lutas e a classe trabalhadora. Entendemos que é preciso assim construir, por esta solidariedade prática a visão de totalidade. Para isto, é necessária a autonomia crítica e teórica e um programa prático de unificação de lutas em torno de pautas concretas e sensíveis, e não demandas abstratas da modernização capitalista. Se o pós-modernismo dissolveu a compreensão da realidade na fragmentação e no relativismo niilista da produção de mercadorias, cabe à teoria crítica restabelecer o conceito de verdade. Porém, não como uma verdade abstrata, metafísica e totalitária, mas como a verdade do fato histórico e da vida concreta e real, da crítica teórica e prática negativa a uma condição social de exploração e opressão.

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