Da outra violência

Da outra violência

      Desde que os estudantes do Estado de São Paulo iniciaram sua empolgante, organizada, criativa e vitoriosa campanha de combate ao famigerado decreto de “Reestruturação do Ensino do Estado de São Paulo”, levado a cabo pelo Governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pelo Secretário da Educação Herman Voolward (agora, “EX”); tenho acompanhado, estarrecido, a crescente truculência da polícia militar durante os protestos legítimos destes jovens corajosos e brilhantes.

      As imagens da violência policial não saem da minha cabeça, não param de me atormentar. Eu sangro, mesmo sabendo que são necessárias; necessárias para evidenciar a brutalidade desta falida administração que se arrasta, mumificada, a mais de vinte anos no poder, vítima de seus próprios anacronismos, de suas incoerências e de suas contradições. Em outros tempos, não muito distantes, estas mesmas imagens de alunos apanhando de soldados fortemente armados se perderiam nos porões escuros da história. Muito se falou delas.

      Agora, vamos à outra violência. Acontece que estas mesmas câmeras denunciaram também o avanço acelerado do sucateamento da rede de escolas públicas do Estado de São Paulo. Ambientes destruídos, escuros e sujos; material didático empilhado e desperdiçado; espaços destinados à prática de atividades esportivas sem nenhuma conservação; e muito mais. Cenas rotineiras para quem frequenta estes espaços, mas que até agora, eram sonegadas pelas nossas lentes. Essa, sem sombra de dúvidas, é a maior violência de todas: a violência do abandono.

      Somente alcançamos este quadro graças a uma bem estruturada e audaciosa rotina de “cortes”, gerida por burocratas assépticos e despreparados (estilo Padula) que, não satisfeitos com o sucateamento paulatino, decidiram, desta vez, optar por uma inédita e impactante solução para a diminuição dos gastos educacionais no Estado de São Paulo: fechar escolas.

      Todos esses cortes, ao longo dos anos, seguindo a suja estratégia da “guerra da informação”, foram bem programados e divulgados apropriadamente (como este, no final do ano passado, quando os alunos da rede pública do Estado de São Paulo ficaram sem “papel higiênico”: <http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2014/12/1556283-alckmin-corta-verba-de-escolas-paulistas-destinada-a-limpeza-e-obras.shtml>) a fim de promover, com a total desinformação dos envolvidos no processo, a típica anuência silenciosa da comunidade escolar, que, em verdade, não foi consultada nem informada de nada (duvido que alguma criança ou adolescente, se consultados, abririam mão do papel higiênico). Assim se configura a  “gestão tirânica da educação” promovida por esta administração, alheia ao direito assegurado pela nossa própria Constituição Federal, que prescreve a participação democrática.

      E fico imaginando a alegria e o entusiasmo desta classe de gestores engravatados que tinham a certeza de que agora, fechando escolas, seriam embalados pelo mesmo silêncio desinteressado, pelo mesmo alheamento. Ledo engano.

      Não bastaram os eufemismos da grande mídia para o verbo “fechar”. Não foram suficientes os mantras entronizados ao longo destes anos que apresentam “o aluno como o grande culpado, pois não quer aprender”, “o pai do aluno como culpado, pois não participa”. Nada adiantou. Os alunos ocuparam a própria História.

      E, então, contrariando as previsões e o ego dos componentes do núcleo duro da Secretaria da Educação, o Governador, depois de ouvir os alunos e os pais de alunos por intermédio de diversos modelos sofisticados de cassetetes, decidiu, delicadamente, “suspender” a reorganização para o ano que vem.

      No seu discurso, iniciado com uma frase papal prescrevendo o diálogo e a mútua compreensão acima de tudo (que Francisco não saiba disso!), afirmou que o processo será construído de maneira democrática e que no próximo ano letivo, em atitude inédita (outra), o governo visitará cada escola da rede para explicar e colher sugestões e argumentos sobre o processo de reestruturação. A menos que desista de fechar escolas, será tempo e dinheiro desperdiçado.

      A reestruturação imposta por decreto pelo Governador Geraldo Alckmin não chegou ao fim. Os cortes não chegaram ao fim. Os Padulas não chegaram ao fim. As assinaturas compradas da revista Veja pelo Estado para distribuir nas escolas não chegaram ao fim. Os projetos milionários sem continuidade (como o caderno de DAC – da Abril Educação, quando era ainda do Grupo Abril) não chegaram ao fim. As diretorias de ensino que não desempenham nenhum papel no processo educacional que não o de representarem politicamente, com mão de ferro, o governo em cada região (totalmente obsoletas em tempos digitais) não chegaram ao fim. As apostilas mal feitas com o emblema da gestão atual para substituir apropriadamente o livro didático enviado pelo governo federal e que fica de escanteio não chegaram ao fim. O enorme índice de exonerações mensais de professores igualmente sucateados não chegou ao fim.

      Depois disso tudo, ao que parece, a única coisa que mudou foi a atitude destas crianças e adolescentes que, agora, para o desespero do Palácio dos Bandeirantes, decidiram se apoderar deste processo, tornando-se dignos protagonistas de sua educação. Essa “abertura” não tem mais volta.

Prof. Rafael Puertas de Miranda , 05/12/2015

www.oleitordesimesmo.blogspot.com.br

Os comentários estão desativados.